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A Sombra do Desespero - Capítulo 2 (P. 1)



Aqui vos deixo o início do segundo capítulo do livro que estou a escrever. Com o imenso apoio do Books Market ( booksmarket.pt ). Em breve, iremos revelar a segunda e a última parte do livro que será revelada. Obrigada pela atenção!


Agora, aqui estou eu. Em casa. Já tomei um banho quente. Estou a beber uma caneca de café quente, tal como prometi a mim mesma. É tarde demais para brincar com a minha filha. É tarde demais para beijar o meu namorado. É tarde demais para momentos em família no lar que eu construí. Tudo foi em vão. Já não sei o que quero. Não sei o que não quero. A morte dos meus pais deixou-me devastada e eu estou, há já um ano, demasiado triste. Quero erguer-me e devo, mas não sei por onde começar. As pessoas começaram a afastar-se de mim.


O luto deve viver-se. O luto deve ser sentido e vivido, para mais tarde poder superar-se. No entanto, eu adiei-o. Não fui ao velório, nem ao funeral. Quis guardar a imagem alegre dos meus pais na memória, apesar de os ter visto morrer. A imagem deles a morrer diante de mim é algo que não esqueço, por mais que tente. Nunca estive à espera. Nunca se espera a morte de um ente querido. Um ano depois de falecerem, visitei pela primeira vez a campa onde ficaram alojados, juntos. Depois tive um acidente. O que me falta acontecer? Não sei.


Estou exausta, mas o meu coração ainda corre pela noite fora. Memórias chegam até mim como tiros súbitos e não consigo evitá-las. O corpo da minha mãe jazendo naquela cama de hospital. A respiração lenta e ruidosa evidenciava-lhe a agonia pulmonar. A dor tirou-lhe o ar e a força. A sua mão direita na minha, a sua mão esquerda na do meu pai. Cancro da mama avançado. Depois do choque, a negação, a raiva e o medo, a minha mãe resignou-se à quimioterapia, mas era tarde demais. Quando o coração dela parou e a morte se deu, nós já a esperávamos de mãos dadas. O meu pai teve um ataque cardíaco pouco depois, estávamos nós a caminho de casa. A frequência de batimentos cardíacos estava tão elevada que, o coração que já vinha a ameaçá-lo há alguns meses, falhou. Camões diria que faleceu de desgosto e talvez seja verdade. No espaço de duas horas, fiquei órfã de pai e mãe.


Volto ao presente com lágrimas imensas a viajarem pela minha face macia. Só quero não ter esta culpa e a sensação de que falhei como filha. A sensação de que falhei como filha, como mulher e como mãe. A verdade é que nunca mais nada foi igual. Tornei-me ausente e estou desesperada para voltar a aprender como viver a vida. Enterro a cara nas mãos e derramo o rio de água que me falta derramar.


Quando levo o café à boca, está frio de mais para continuar a bebê-lo. Recordo-me logo das sábias palavras do meu pai: “O coração é como o café: quando está quente, vive intensamente e dá-nos muito prazer; mas quando frio, triste ou vazio, morre completamente.”. Num súbito exaspero, atiro a caneca contra a parede e agarro os meus cabelos, puxando-os com força. Soluço e gemo de dor naquela cozinha vazia de companhia. Sentindo as veias latejarem e o peito arder, vergo de perda perante os pedaços de loiça e o café derramado. A minha alma desdobra-se em lágrimas e não conheço nada para além de arrependimento.


- O que se passou? – O Mateus entra na cozinha ensonado.

- Nada. – Respondo baixinho, enquanto apanho os cacos da caneca. Ele suspira.

- Cuidado para não acordares a miúda. – E vai-se.


Ouço os seus passos afastarem-se de mim. O ardor não para. Noutro tempo, o meu namorado aproximar-se-ia de mim e, com um abraço apertado, perguntar-me-ia o que se passava, esperando até que me sentisse pronta para desabafar. Agora, nem mostra preocupação, mas sim cortesia. Posso confessar, que o ardor no meu coração se intensificou após a queda do meu relacionamento. A minha aliança com o Mateus estava em completa decadência. O meu amor por ele não registou a hora da morte. Era em momentos como este que eu percebia que estávamos acabados. A realidade é que eu causei este declínio acentuado quando parei de cuidar do laço que nos unia. Com o tempo, o cansaço tomou conta de nós e o amor evaporou-se. Ambos sabíamos o que estava a acontecer, no entanto, nenhum de nós tinha a coragem para impor a palavra final.


Apanho os estilhaços da caneca, como se apanhasse os do meu coração. Eu preciso de organizar a minha cabeça. Ponho o que apanhei no lixo e pego num pano para retirar da parede o café. Tal como o café, também o meu coração precisava de ser limpo de impurezas. Os últimos tempos encheram-me de rancor e ódio. Estou a passar um período de distúrbio emocional e não sei como o parar. Mas devia saber. Afinal, sou psicóloga. Resolver os problemas dos outros é tão mais fácil. Acabo de limpar a cozinha e desligo o interruptor. Acabei de tomar uma decisão: vou fazer terapia. Sessões de terapia interior. Preciso de me curar.



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