Tudo Ao Contrário
“O que fazem todos os velhos: sentar-me a recordar e a interrogar-me sobre o que teria acontecido se tivesse feito tudo ao contrário.”
Carlos Ruiz Zafón em Marina
Tenho 89 anos. Sei que estou velha, apesar de não me sentir como se fosse. A verdade é que toda a minha vida, tal como a vida de cada um de nós, foi baseada em escolhas. Nunca me sentei, como agora, em velha, a ponderar as consequências tardias dessas escolhas. Não é algo que nos ocupe a mente de uma forma habitual. Pensamos em alternativas, várias hipóteses, mas nunca nas consequências tardias que tudo isso implica.
Sempre me julguei uma pessoa sensata. Hoje, tenho dúvidas. A minha grande finalidade era uma vida estável, segura em todos os aspetos. Influenciada pelas histórias de mulheres poderosas derrubadas pelo amor, pelas notícias de falência, pelas lições que a minha mãe me deu e por uma sociedade que se rege por estereótipos e cunhas sem pensar sequer na igualdade de direitos, agarrei as oportunidades que consegui para obter uma vida bem-sucedida. Olhem para mim agora, numa cadeira de pele com os pés à lareira. Sozinha. Não miserável, mas completamente só. O dinheiro compra companhia. Ainda assim, não apaga esta sensação de solitude. Desola-me ver passar as horas sem que ninguém esteja ao meu lado.
Arrependo-me, sim. Tarde demais. Escolhi ficar com um homem que não amo, porque pensei que era o melhor para mim. Afinal, ele queria-me bem e tinha posses. Escolhi tirar aquele curso, porque me oferecia uma maior possibilidade de sucesso. Afinal, nenhum outro curso tinha um grau de empregabilidade tão alto. Escolhi tudo com base no meu futuro. Agora, o futuro transformou-se em presente e eu arrependo-me porque nunca fui feliz. Abdiquei de todos os prazeres da vida, sem sequer considerar, e agora estou certa de que não valeu a pena.
Desconheço o que significa amor, empatia ou perseverança. Já me orgulhei mais da pessoa em que me tornei. Sinceramente, estou vazia de tudo. Algo em mim volta atrás em cada escolha que tomei e cria uma história diferente. Faltou-me discernimento. Pergunto-me como teria sido se eu tivesse escolhido seguir o meu coração, concretizado os meus mais ardentes desejos e sonhos. Talvez tudo pudesse ter sido diferente, melhor. Talvez pudesse ter contado mais sorrisos do que joias. Ou talvez tudo tivesse corrido pior. Acho que nunca saberei.
Dou uma pequena gargalhada e um gole no meu copo de vinho branco. Falta-me apenas fazer uma última escolha. Agora, ao amanhecer, escolho ser cremada. Talvez seja uma boa decisão ou talvez não. Nessa altura, será tarde demais para me arrepender, tal como hoje é tarde demais para mudar o rumo das minhas escolhas. Tarde demais para viver outra vez.
O meu braço dói-me. Sinto o meu coração apertar-se. O ar é escasso. O copo cai e o vinho fica derramado. Sei, então, que me encontrarão morta nesta cadeira. Deixo-me ir. A vida continuará no resto do mundo independentemente de qualquer escolha ou de qualquer morte. Passei por este mundo, indiferente, como um mosquito. Não fui feliz, mas, pelo menos, já acabou.
Lara Filipa xX