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Tua...

Eu estava prostrada na minha cama, a imaginar-me na cama que um dia será a nossa. Imaginei-te na tua cama, a imaginares-te na cama que um dia será a nossa. De repente, tudo pareceu mais fácil. Repara, meu amor, em como, mesmo separados por tantos quilómetros, queremos a mesma coisa. Quando duas pessoas querem a mesma coisa, tudo se torna mais simples. Foi a pensar nisto que acabei por adormecer. Sonhei comigo, contigo. Sonhei connosco.

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Horas depois, despertei. Não estava atrasada, mas acabei por começar a correr como se isso acelerasse o tempo. Agitada, feliz e descuidada como sempre. Tentava não ficar nervosa, tentava distrair-me com o que ainda faltava pôr nas malas, com o que ainda havia para fazer. Não adiantou. Fico sempre ansiosa antes de te encontrar. Os nervos podem manifestar-se de tantas formas diferentes, meu amor. Espero que essa sensação nunca desapareça. Espero que já velhinhos nos encontremos todos os dias ainda com esse fulgor de quem se ama. Será a nossa eterna chama.

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Respirei fundo. Sorri. Tomei banho. Tinha-me depilado completamente no dia anterior, bem como tinha limado as unhas, arranjado as sobrancelhas e aplicado um creme para secar as borbulhas da testa. Depois do banho, ainda me enchi de cremes. Um creme para a cara, um creme para pentear, um creme para os caracóis e um creme de corpo. Não usei maquilhagem por não ser grande fã, mas pus o meu melhor perfume. Vesti uns collants e rezei para que não fizesse frio. Enfiei-me num vestido de algodão azul-escuro. Tinha algum decote e temi que isso me fizesse parecer ousada, mas estreá-lo-ia nesse dia, só para ti. Deixei o meu cabelo solto por saber que gostas da forma como ele cai sobre os meus ombros. Calcei umas sabrinas que talvez me aleijassem os pés mais tarde (ainda me recordo do dia em que mas ofereceste), guardei as últimas coisas na mala e pus o colar que me deste ao pescoço. Brilha no escuro. É tão lindo e eu sou tão tua. Vesti a minha nova gabardina à pressa. Finalmente, olhei-me ao espelho. Nunca me sinto tão bonita como quando penso na maneira como me olhas. Peguei nas malas e lá fui eu. A minha mãe levou-me. Despedi-me dela com carinho. Mesmo assim, estava tão ansiosa para te ver que nem me apercebi de como deve ser duro para uma mãe ver a filha partir para os braços do homem com quem quer viver para sempre.

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Já na estação, à espera do comboio, os nervos consumiram-me. Liguei-te e, imediatamente a seguir, atendeste, com aquela doce voz tão característica de ti. A voz que remexe o meu ventre. Ainda a ouvir-te, fantasiei sobre como seria sentir as tuas mãos em redor da minha cintura e os teus lábios a beijarem-me a orelha. Adoro quando me recebes assim, num abraço demorado e com palavras de amor. Desliguei, não sem antes dizer que te amo e o ouvir de volta, e guardei o telemóvel. Estava tanto frio que me recolhi num canto. O comboio nunca mais chegava e estava tanto frio. Talvez não tivesse sido a roupa adequada para um dia chuvoso de outubro.

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Agora, mais quente, no comboio, o meu ventre ainda se agita a pensar em ti. Coro só de pensar em como vais olhar para mim quando eu chegar. Sim, arranjei-me para te encontrar, como é meu costume. Claro que sei que me amas mesmo sem os extras, mas sinto-me bem em surpreender-te e em ver-te desejar-me ainda mais. O bom de nós sermos nós é que nunca os extras importaram. Eu amo-te com fato ou sem fato, com as piores e as melhores calças, nos bons e nos maus dias, em todos os lugares e em todos os momentos, sem exceções. E sei também que me amas com ou sem decotes, de roupas largas ou justas, com o cabelo penteado ou despenteado, com ou sem óculos em todo e cada segundo. Isso faz de nós quem somos. No entanto, eu não seria quem sou se me desleixasse para contigo, que és a pessoa a quem mais quero agradar além de mim. No dia em que uma mulher se desleixa, ela não ama com a mesma intensidade. Disse-me isto a minha mãe e eu acredito nela. Meu amor, que nunca nos desleixemos. E que o desejo um do outro esteja sempre em nós.

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Saio do comboio. Trapalhona, concentro-me mais no degrau do que nas malas que trago comigo, tropeçando porta fora e com os olhos à tua procura. Encontro-te, abraço-te e beijo-te. Rio e lacrimejo um pouco, sem que vejas. Nunca te amei menos e nunca te amarei demais.

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Lara Filipa xX

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