Romeu e Julieta
A rapariga esconde-se por entre as árvores. Um riso é ouvido. O rapaz move-se à sua procura, mas apenas vê mais arvoredo. Ela anda na floresta com suaves passos, quase inaudíveis. Ele sorri, entusiasmado. Sempre adorou procurá-la. Ela tem olhos misteriosos e ele tem-nos curiosos. Encaixam-se como duas peças de um puzzle. Ele continua a andar. Procurando-a. Todos os sentidos em alerta. O perfume inebriante dela ainda se faz notar por onde ela passou outrora. Ele pode senti-la a sorrir também, a suster a respiração para nunca ser encontrada. Mas ele encontra-a sempre. Tarde ou cedo, não importa. Ele encontra-a sempre. Três árvores à frente, entre as sombras, ele tem um vislumbre da sua silhueta menina, de longos cabelos escuros e com o livro preferido na mão. Ela tem sempre aquele livro na mão. Em passos leves, aproxima-se da amiga.
- Encontrei-te. - Sussurra-lhe ao ouvido.
Ela inspira fortemente, sentindo o rapaz na retaguarda, e vira-se. Olhares verdes e verdes esperanças. Atraem-se como o fogo e respiram-se como a água. Quase ouvem o bater frenético dos corações um do outro e depois ambos riem. Doces almas sorridentes. Não importa o quão tolo é o momento ou o quão absurda é a gargalhada. Nada disso importa. Eles são felizes assim: juntos. E sempre súbitos e impulsivos. Sempre honestos. Confiam um no outro. Quando confiamos em alguém podemos ser o que quisermos. Cintilantes sorrisos fazem os olhos mais brilhantes. A alegria e amor são palpáveis.
- Encontras-me sempre. - Diz ela. Ele sorri-lhe.
- Tenho que ir. - Dá-lhe um beijo na testa e corre para casa.
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Ambos cresceram. Eternamente apaixonados um pelo outro. Foram crescendo. Agora adultos feitos, complicam tudo. Em crianças, eles corriam, caiam, riam e brincavam às escondidas juntos. Não precisavam de um rótulo quando ele lhe dava um beijo na bochecha. E não precisavam de perguntas quando iam brincar juntos para a floresta. Eles só queriam estar perto um do outro. Ficavam juntos porque se sentiam bem e porque quando brincavam não haviam muitas perguntas que tivessem de ser feitas. As coisas eram, simplesmente sendo e não haviam regras. Mas depois, cresceram. Surpreendentemente, crescer muda tudo. A ingenuidade e a ignorância já não tinham lugar. O amor já não era suficiente. O rótulo era necessário. As perguntas tornaram-se urgentes. A coragem de estarem juntos foi substituída pela vergonha de um convite. Com o tempo, foram parando de brincar às escondidas. A vida tirou-lhes o tempo para estarem juntos. Foram separados pelas circunstâncias. Apesar disso, continuaram a amar-se.
Ela continuava a ter o sorriso de sempre. Ele continuava a ser o despenteado de sempre. Ambos se recordavam de como era divertido juntarem-se para observarem as nuvens. Ambos olhavam um para o outro sem que ninguém reparasse. Olhares discretos partilhados entre eles no meio de enormes multidões. O que aconteceu? O tempo. O tempo aconteceu-lhes. O tempo muda personalidades, muda circunstâncias. Aparecem novas pessoas, novas experiências, novos contratempos.
Um dia, ele encontrou-a. Ela estava sentada na mesa de uma esplanada. Vestia um vestido de verão e bebia um cappuccino enquanto olhava o mar. Ele admirou-a por um longo instante. Ele reparou que ela tinha um livro na mão. Romeu e Julieta. O livro preferido dela. Nunca o largou. A coragem que tinha na infância tomou conta dele e em passos leves, aproximou-se dela.
- Encontrei-te. - Sussurrou-lhe ao ouvido.
Ela inspirou fortemente, sentindo-o na sua retaguarda, e virou-se. Sorriu-lhe e o brilho nos olhos foi instantâneo. Tal como quando eram jovens. Ele sentou-se ao lado dela e quis acariciar-lhe a face. Ela olhou-o todo e desejou dar uma gargalhada sobre como ele estava despenteado. Ele sempre foi bonito e inteligente. Sempre fizeram bater o coração um do outro. Para ela, ele era a mais bela faina da sua vida. E ela sempre amou aventuras.
- Encontras-me sempre. - Disse-lhe ela. E ele sorriu-lhe.
Olharam-se por uma eternidade. Nenhum deles precisou de dizer o que quer que fosse. Amaram-se todos, desejaram-se completamente. Em silêncio. Finalmente, eles deram a gargalhada esperada. Não por haver uma razão. Apenas porque confiavam um no outro e podiam ser impulsivos e alegres e doidos. Apenas porque se amavam.
- Romeu e Julieta. - Quase soou "eu e tu" aos ouvidos dela.
- O meu preferido. - Sorriram. E seduziram-se ali.
De súbito, foram crianças outra vez. Ela ainda era misteriosa. E ele ainda era curioso. E eles encaixavam como duas peças de um puzzle. De repente, eles ainda estavam na floresta e ainda brincavam às escondidas. Ela baixou o olhar, envergonhada com a química entre eles. Mas ele era persistente e levantou-lhe o queixo com o indicador. Olharam-se por outra eternidade. Naquele momento, foram crianças em adultos e lembraram-se de como o amor deles era urgente e puro. Quase ouviram o bater frenético dos corações um do outro. Ele estendeu a mão e prendeu uma das madeixas dela atrás da sua pequena orelha. Ele ficava ainda mais apetecível quando a amava assim, com gestos. O amor vive-se em silêncio ou em gargalhadas súbitas. Aprenderam isso um com o outro.
- Estás a fazer-me sentir uma criança. - Disse ela, corando.
- Era bom quando éramos umas. O amor teria mais sucesso se houvesse mais de criança nos adultos. Quando crescemos o mundo fica demasiado sério para brincar às escondidas.
Com um sorriso, ela estendeu-lhe o livro. Romeu e Julieta. O livro preferido dela. Ele sabia o que tinha de fazer. Suspendeu a respiração e sentiu o peito robusto encher por segundos. As mãos dele, ágeis, folhearam todo o livro até à última página. Memórias. Os seus olhos verdes, como os dela, percorreram toda a página. Um caligrafia desastrosa e infantil pairava no centro da página lisa. Ele sorriu e ela gargalhou. Ele recordava-se de ter escrito aquilo no livro preferido dela, e lembrava-se de ela lhe ter respondido. Mas era uma memória tão vaga, que o impacto foi maior.
"Encontrei-te...
Encontras-me sempre." Tinham escrito no livro.
Tarde ou cedo, não importa. Ele encontra-a sempre. Eles amam-se sempre.
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Lara Filipa xX