Os Gestos De Cada Dia
Escondo-me num canto recôndito do enorme closet. Esforço-me por acalmar o bater ribombante do meu coração e paro a minha respiração ofegante por uns instantes apenas. Oiço os passos dele no nosso quarto e sei que bastarão uns segundos para que descubra o meu esconderijo. O meu corpo vibra, ansioso.
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- Onde te escondes, meu amor? – Sinto o tremer de uma gargalhada insidiosa na sua voz.
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Aqui, escondida, é impossível não pensar nas razões que me levaram ao lugar em que me encontro. Parece um tanto ilusória, esta realidade; não por ter acontecido nas circunstâncias em que aconteceu, mas sim por ser com ele e, também, porque ele é ele. Ele é ele, assim como eu sou eu, mas melhor. É assim como alguém que só vi em sonhos, como alguém inventado apenas para mim. Nestas recordações vagas e distantes, esqueço-me de tudo e deixo voar um pequeno e revelador riso. A sua bela figura abre a porta do closet e sorri.
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- Cá estás tu… - Diz num sopro, puxando-me para os seus braços num aperto divertido.
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Beija as minhas bochechas repetidamente e sem nunca me largar a cintura. Faz-me cócegas no pescoço com o seu queixo barbudo. Não consigo evitar as altas e longas gargalhadas que me escapam. Amar é isto, parece-me. Amar é um imparável riso em conjunto. Caímos juntos no chão de tanto rir e, de repente, passo a considerar que não existe melhor pessoa para amar. Porque amar é isto.
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Os gestos perdem-se entre incontáveis dias; alguns – os gestos mais significantes - ficam na memória para nunca mais se perderem, outros - os que pouco nos fazem sentir - são constantemente esquecidos e substituídos por aqueles que possuem maior significância. O mais incrível em toda a trama é que as atitudes que mais aprecio que ele tenha para comigo não são, nem de longe, as mais espetaculares. Para mim, nesta nossa travessia, os gestos que nunca esquecerei serão sempre os mais surpreendentes, os mais simples e, principalmente, os mais espontâneos. Essas pequenas demonstrações são aquelas que não consigo parar de reviver quando os nossos corpos estão distantes um do outro. Conservo-as em mim, na minha pele, para um dia poder contar aos nossos filhos o que significa amar. E amar é isto. O amor está nestes singulares gestos partilhados durante a noite ou pelo dia fora, sem planeamento e sem segundas intenções.
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É inevitável saber de cor as reminiscências amorosas dos nossos fogosos corações. Fecho os olhos e sinto os seus dedos a rolarem, suaves, pela infinidade da minha pele, somente pelo simples prazer do toque. As suas mãos (sintonizadas com o coração) que descem por mim. Os instantes em que o apanho a varrer-me o corpo com os olhos, quase como se a minha alma fosse um quadro nu em que quer espalhar a sua arte. As noites em que me sustenta nos seus braços, as minhas costas coladas ao seu peito. Os beijos de bom dia, os beijos de boa noite e aqueles que existem só porque sim. A forma como ele me veste é amorosa e a forma como me despe é melhor ainda. Entre tudo isto, a sua preocupação também me comove, por tantas vezes querer saber como estou ou como me sinto e por ter sempre em consideração os meus desejos e quereres (que são sempre tão inconstantes em relação a tudo, menos em relação a ele). Agarra-me quando tropeço e beija-me quando estou nervosa ou ansiosa sobre algo. É doce a forma como cuida de mim, quando estou doente e quando não estou. E a maneira como me abraça para me proteger de olhares estranhos. Andar pelas ruas com ele, a discutir um bom filme ou qualquer outra coisa.
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Abro os olhos a saber que foram todos estes gestos acima mencionados que me fizeram apaixonar por ele e pela pessoa que sou com ele. Gosto de nós e gosto ainda mais que esta utopia seja possível, mesmo quando parece perfeita demais para não ser um sonho. A realidade é que nunca me senti tão feliz como agora me sinto e creio que grande parte desta felicidade se deve à pessoa que ocupou o meu coração, por tudo aquilo que somos juntos.
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O mais emocionante dos nossos gestos de cada dia é lembrá-los a saber que se irão repetir. Quero ser contigo, meu amor, para sempre. E quero que sejamos juntos até que outro universo nos separe, se for possível.
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Porque amar… É isto.
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Lara Filipa xX
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