Mundo Degradado
Talvez a vida seja para sempre assim. Ou talvez não.
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Chamam-me louca. Todos o somos, por isso não me importo. A realidade é que talvez me ouvissem se eu gritasse os meus pensamentos mais chocantes. Talvez eu conseguisse mudar o mundo se deixasse o meu animal interior sair cá para fora. No entanto, poderia igualmente conseguir que tudo resultasse em desastre. Ninguém quer ouvir-me. Todos me achariam rude se me ouvissem, e talvez me achassem ainda mais louca.
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Andam por aí, nas almas mais profundas e realistas, pensamentos tão cruéis sobre a realidade do mundo. Ninguém tem a coragem para os revelar, mas todos pensamos sobre o mesmo (eu acho ou espero que assim seja). Ou, se calhar, apenas eu penso neles e todos nós, por medo ou cobardia, continuamos a fazer parte deste divertido monopólio que é o jogo da vida num mundo que nunca foi mais nojento. Estamos perdidos, eu sei. Também sei que ninguém quer dar o primeiro passo, nem mesmo eu. Talvez ninguém queira ser salvo até chegar ao fundo do poço, onde já não há volta a dar.
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Se vocês, pessoas deste mundo, soubessem tudo o que penso e tudo o que desejo fazer, creio que chorariam a desgraça em que estamos metidos ou talvez entrassem em fase de negação e me ignorassem, contando a vocês próprios algumas das mentiras que nos tornam a todos mais felizes a cada dia que passa. E continuamos assim: ignorando o óbvio até que deixe de ser possível ignorá-lo.
Parecemos todos robôs, já repararam? Somos controlados, manipulados, espremidos pela crueldade do mundo e das pessoas que o habitam. Mas ai de quem disser a grande verdade, ai de quem se atrever a dizer que estamos a ser cegos. Ninguém pode revelá-lo, pois seria o fim. Seria o começo da aceitação de uma realidade que ninguém quer aceitar. Por isso, não há quem o diga. Não existe quem se atreva. Nem mesmo eu falo, porque me custa a destruir a esperança das pessoas que ainda a têm e porque talvez, mesmo falando, o mundo continuasse igual ao que é. Vamos cair em desgraça de qualquer forma, então para quê tentar?
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Este podre mundo. Tu não o vês?
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Passamos por animais mortos à beira da estrada e já ninguém se arrepia com o sangue a ser lavado pela chuva. Então, eles ficam ali, mortos. Até que o cheiro incomode alguém que por ali passe ou que viva por perto, ou até que os vermes comam o que resta daquele pobre animal.
O vapor das fábricas destrói a camada de ozono mas só reparamos nisso quando os incêndios começam e quando o calor mata. Não esquecendo que em 2028 a água potável será tão rara que mais de metade da população mundial não terá direito a ela. Ou talvez por essa altura já não haja água de todo e aí morreremos dissecados pelo calor crescente.
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Os sorrisos são programados para quem se conhece e as relações são destruídas a cada segundo, todos os dias. Ignorando os que nos fizeram mal, deixamos para trás o perdão e criamos um novo nível de rancor. Os que não se conhecem, não se esforçam para conhecer e muito menos para criar uma boa impressão.
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Obrigados a cantar no metro para conseguir dinheiro, os sem-abrigo são ignorados e confundidos com os ladrões. E por uns serem mentirosos e se aproveitarem da bondade das pessoas, todos acabam por ser rejeitados como tais.
Os idosos são postos num canto para morrerem sozinhos e ali ficam. A medicina há muito que deixou de se preocupar. Agora, já não sentem obrigação de ajudar os mais velhos, quanto mais curá-los de doenças. Grande parte deles jaze num asilo durante anos à espera da morte, sem qualquer companhia para os alegrar.
Os livros morrem, as tecnologias crescem. As drogas e a violência são normais e gostar de ler é uma loucura. Por isso, as novas gerações rejeitam o conhecimento (erradamente visto como um sinal de fraqueza) e correm atrás das experiências mais desgostosas e dos “amigos” mais despreocupados com a vida.
Os pais dão um telemóvel à criança para que esta se cale e a educação evapora-se nesse mesmo segundo. Então, sem qualquer guia de comportamento, as crianças crescem e o bullying também. Os maus serão sempre maus e os indefesos suicidam-se. Levando-se assim a oportunidade de uma população que podia mudar o mundo. E quando, ao fundo do túnel, parece existir alguém que vai salvar o mundo, essa pessoa é rapidamente desviada pela sociedade para o pior caminho.
A frustração nas caras das pessoas está sempre presente, tenham trabalho ou não. E a gratificação não existe mais, tal como a vontade e a ambição que se vão destruindo aos poucos.
Não existe muito mais do que egoísmo, crueldade e ganância.
Já ninguém confia em ninguém.
Vocês não o veem? É o mundo. E está a degradar-se.
Talvez a vida tenha sido sempre e seja para sempre assim. Ou talvez não.
Para falar a verdade, pouca esperança me resta.
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Lara Filipa xX