Eterno Horror
A vida é singular. Ninguém pensa sobre isto – a singularidade da vida. Todos tendem a subestima-la, em geral e em particular. Isso nota-se nos gestos de cada dia e até nos pensamentos. Quando se pensa, mesmo que por apenas um segundo, que o mundo durará para sempre; quando se dá o dia de amanhã por garantido; quando se dorme sem se ter dito tudo o que havia para dizer ou sem se ter feito tudo o que havia para fazer; de cada vez que não se vive como se fosse o último dia, subestimamos a própria vida e a sua singularidade.
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“Gostavas de viver para sempre?”
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No primeiro instante, soube que a minha resposta seria não. Mesmo assim, demorei-me sobre a questão. Queria refletir as razões daquela resposta. Precipitar-me nunca foi o meu género.
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Agora, aqui sentada com este papel gasto na minha mão, devo confessar que a minha visão não se alterou. Eu detestaria viver eternamente. Não estou a considerar assuntos como a sobrepopulação ou qualquer outro problema à escala mundial. Imagino como seria se não existissem causas naturais contra a eternidade, como seria se eu realmente pudesse viver para sempre. Imagino os dias, as tardes, o tempo. Imagina, caro leitor, comigo.
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Como seria a vida eterna?
Os dias seriam infinitos. O sol raiaria a cada dia. Os nossos corpos não seriam decadentes. Nós seríamos imortais. Sem mortes ou perdas. Quão magnífico! Ou não. Então e o resto? E as razões que nos fazem acordar, seguir, tentar e continuar? O que nos faria querer mais um dia, se os dias fossem infinitos? Não diríamos ou faríamos coisa alguma, se houvesse tempo de sobra para tal, pois não? Quero dizer, não é exatamente essa a magia da vida? Não é o saber que não haverá outra oportunidade, outro dia, outro tempo, outra chance que nos faz lutar pela vida? Não é isso que nos motiva a ser? E imagina como seriam os nossos dias: sem fim. O tédio, o déjà vu. A felicidade não seria tão pura, o sofrimento não seria tão caro. Lidar com as emoções já é tão cansativo e perturbador, imagina como seria esmagador ter de lidar com tudo para sempre. Os momentos perderiam a sua importância. As palavras perderiam o seu significado. A efemeridade não estaria mais em nós. Nem as razões para continuar.
A vida é breve, sim. E, por isso, bela. A vida é motivada pelo seu próprio fim. A vida é motivada pela morte. É a morte que a torna tão especial e única. É a morte que faz com que a vida valha a pena. Se houvessem sempre mais dias, este dia não teria qualquer importância. Nem este, nem nenhum outro. É a morte e a efemeridade de tudo que me fazem acordar e pensar “vamos lá fazer o dia valer a pena”. Porque todos os dias fazem parte da nossa pequena história. É através do nosso curto tempo neste mundo que temos a oportunidade de fazer a diferença.
Que a morte não seria possível sem a vida, já todos sabíamos. Mas também a vida não seria possível sem a morte. Isso é certo. E também é certo que este papel gasto a roçar nos meus dedos e esta caneta escorregadia na minha mão suada não seriam sensações apreciadas numa realidade eterna. Se tu, caro leitor, nunca tiraste um segundo do teu curto tempo na Terra para aproveitar sensações como estas… é porque estás, claramente, a subestimar a vida.
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PS.: Talvez a eternidade seja apenas outra forma de extinção.
Lara Filipa xX