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Epifania

Os meus dedos viajam pelo cascalho. Agarro uma das pedras e atiro-a ao lago. Por mais pequena que seja, aquela pedra é o suficiente para perturbar o lago inteiro. As ondas estenderam-se pelo lago durante vários segundos até que a ordem foi reestabelecida e a água voltou à sua natural tranquilidade. A pedra pode ter sido insignificante à escala mundial, no entanto, afetou alguma coisa. Alterar algo, mesmo que a princípio pareça não ter importância, é relevante. A mudança por si só pode originar outras mudanças, que podem ou não alterar a ordem natural das coisas e, como todos sabemos, a desordem é o primeiro passo para o recomeço.

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Algo detém o meu olhar. Admiro, como se de um quadro ou de um sonho se tratasse, a imagem no lago. Fios de cabelo escuro escapam da longa trança e emolduram uma face pálida de olhos confusos. Fito, ébria, a rapariga. Parece perdida na sua própria mente. Estendo os dedos para a visão diante de mim, mas encontro apenas água. Novamente, a desordem que distorce o reflexo. Aguardo o fim da instabilidade e cortejo a rapariga. Dou uma gargalhada. De facto, há aqui, neste momento de duas realidades cruzadas, qualquer coisa de completamente insano.

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Apresento-me. Espero uma resposta. Silêncio. Uma brisa distorce mais uma vez o rosto. Volto a dizer o meu nome. Converso com a estranha. É mais um monólogo, na verdade. Mas continuo. Conto-lhe o que me aconteceu e como vim parar à beira deste lago no meio de nenhures. Em resposta, recebo um miserável sorriso de alguém que se compadece da minha loucura.

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- Quem és tu, afinal? – Aguardo por qualquer coisa, mas nada acontece. Nem uma resposta, nem um som, nem mesmo um sinal. Não há nada na imagem vazia. Não há nada em mim.

 

Olho-me, apresento-me e, ainda assim, não me conheço. Exponho-me, mas não me revelo.

 

Adoraria eu ser o recomeço após a desordem, mas sou apenas uma pedra.

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Lara Filipa xX

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