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Conto De Um "Não"

À pouco, lembrei-me de uma antiga memória de criança. É incrível como pequenos momentos, ao longo da nossa finita vida, nos vão ensinando e educando. Moldei-me à imagem daquilo que aprendi que devia ser. E, agora, sou. Oiço coisas que penso erradas em toda a parte e pergunto-me, o quão certo isso é na ideia das outras pessoas. Gente, sonhadora e livre. Somos livres para pensar o que quisermos, cada um com a sua moral, com o seu ideal, com os seus exemplos. A realidade comum a todos os seres é que, cada um de nós é o que foi educado para ser. E quanta influência não terá a nossa infância no pedaço da nossa consciência?


Estava, por aqui, a lembrar-me e a sorrir. Olho a paisagem, mas não a vejo. Tenho a mente presa em recordações antiquíssimas. Lembro-me de ser bem pequenina, com a alma brincalhona e saltitante. A querer festejar a alegria de ser jovem. Imagens de um restaurante correm-me na memória. Haviam pessoas a falar e a rir de piadas que voam de bocas alheias. Haviam alguns vasos de plantas nos cantos da casa. Era raro eu ir a um restaurante, mas não via muita piada em sair fora para comer. Não quando o podíamos perfeitamente fazer em casa. Em casa seria melhor, porque dessa forma eu podia pedir a autorização (tão desejada) para sair da mesa e tê-la num piscar de olhos. Em casa, eu podia brincar, saltar, correr, fazer barulho. Ser criança. Mas, no restaurante, não. No restaurante, eu tinha que ficar quieta na mesa, mesmo depois de comer. Ficaria ali a observar com os meus olhos invejosos as outras crianças que corriam e brincavam e saltavam e, por vezes, balançavam os vasos nos cantos, que quase iam caindo. Essas crianças podiam ser felizes à vontade, em público, correndo por entre as mesas de jantar onde as pessoas comiam. Pessoas adultas e aborrecidas. Eu era criança e, ainda assim, tinha que ficar ali. Como uma pessoa adulta e aborrecida.

 

- Mãe, vá lá. Deixa-me ir...

- Não! Quando eu digo que não é não, e acabou. - Interrompeu-me bruscamente.

A minha cabeça gritava-lhe que era uma grande injustiça. Mas mordi a língua, baixei a cabeça e amuei. Afinal, porque é que os outros podem brincar no meio do restaurante e eu não? Se eu dissesse isto à minha mãe, a resposta mais provável seria: "Mas tu não és 'os outros'". Então, calei-me. Calei-me como faria uma menina bonita. Apesar de ter os olhos a arder e a vontade de sair dali em mim. Fiquei quieta. Sempre quieta. Fui educada. Obedeci. E, quando finalmente era hora de irmos embora, levantei-me. Fiz o meu caminho, seguindo os meus pais. E não disse mais nada. Calada, como faria uma boa menina. Quando cheguei ao carro, zangada, não havia presente. Não havia recompensa por ter obedecido. E perguntei-me porque o fazia. A resposta chegou mais tarde. Anos depois, chegou uma resposta às minhas questões. E chegou a recompensa também.

A verdade, é que naquele momento, e noutros momentos como esse, ganhei educação. A firmeza, rigidez e autoritarismo dos meus pais, deu-me uma fabulosa educação. E nunca ninguém poderá queixar-se do contrário. Por vezes, a vida dá-nos grandes mágoas, manda-nos ao chão, ficamos de cabeça para baixo. Mas, no fim, temos educação. Temos a capacidade de dizer um "olá" ao maior inimigo, um "obrigada na mesma" à maior rejeição. Com o tempo, essa educação, essa rigidez e esse ambiente moldam-nos para sermos fortes e preparados para uma revoltosa sociedade. Talvez os meus ideais não sejam como os das outras pessoas, ou talvez a minha pirâmide moral esteja organizada de outra forma. É claro que vou errar. Vou continuar a cair, como toda a gente. Mas, hoje, tenho educação. E isso é uma enorme recompensa. Posso não ter compreendido. Posso ter gritado, chorado e feito muitas birras. Mas o "não" que a minha mãe me deu, no fim, valeu a pena.

Obrigada, mãe. Estou-te eternamente grata por tudo. Por todos os nãos, por todas as lições. E foram tantas. Obrigada por fazeres de mim o que sou hoje. Um abraço. Amo-te.

Lara Filipa xX

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