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Conto Da Bicicleta

Estava, por aqui, sentada na grande poltrona das minhas recordações. A ver a minha vida passar pelos olhos. Estou a sentir tudo. Sinto tantas coisas ao reviver estes momentos que, agora mesmo, choro de alegria. O sorriso enorme no rosto em tantos momentos diz-me que sou uma pessoa feliz, apesar de todas as adversidades. Lembrei com carinho, os bons e os maus momentos. Sempre a sorrir.

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Agora, vejo-me da longa estrada da minha vida. Estou algures na memória 11082007. Pai, tens que ver esta aqui comigo. Sou eu ali, estás a ver? E, de súbito, sou transportada para um dos momentos mais doces e amorosos da minha vida.

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Posso sentir-me no meu próprio corpo, as mãos no volante da bicicleta. Os pequenos pés nos pedais. E o destino que tomei no passado controla tudo em mim. Consigo ver-te, na minha retaguarda. Protetor como sempre. Mas, a certa altura da vida, devemos aprender a voar sozinhos. Foi isso que aprendi naquele momento. As rodas do meu transporte modificado começaram a rodar lentamente. Eu tinha o controlo da caixa de direção, os pés a fazer o máximo de força nos pedais enormes para começar a dar início à viagem da minha vida. A mão do meu querido pai segurava o meu banco, dando-me o apoio certo. O apoio que eu precisava.

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- Pai, eu vou cair. - Avisei-o, sempre medrosa.

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- Não, não vais. Eu seguro-te. Estou a agarrar-te.
 

Respirei fundo. Toda eu tremia. Sem as rodinhas era tudo mais complicado. Eu não queria fazer isto. Porque é que eu não podia simplesmente andar com as rodinhas da bicicleta o resto da minha vida? Pergunta estúpida. Eu sei. Mas foi o que pensei. Seria quase o mesmo que perguntar: "Porque não posso viver com os meus pais o resto da minha vida?". E a verdade deu-me um murro no estômago. Ele queria que eu lhe mostrasse que eu realmente podia ser independente. Mas eu não ia conseguir. O negativismo estava em todo o lado. Podia ver o alcatrão da estrada rasgar a minha pele assim que caísse, tudo porque o meu papá estava a ser teimoso comigo. Ele insistiu. E aqui estou eu, a obedecer-lhe.

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A velocidade começou a aumentar aos poucos. E, devagarinho, senti-me controlar o veículo. Parecia impossível. Fechei os olhos por momentos e respirei. Pus alguma firmeza no meu corpo. A força motora a enfrentar o meu grande medo. E, com confiança, continuei. Continuei sempre. E, embora nervosa, tudo parecia correr bem. Eu sabia que só estava a conseguir porque o meu pai estava a segurar-me a retaguarda do banco.

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- Pai, nunca me largues, ouviste? Nunca! - Disse-lhe.

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Mas quando olhei pelo canto do olho, ele já não estava lá. Eu estava sozinha. Completamente sozinha. A solidão assustou-me. Entrei em pânico. Caí. O meu primeiro pensamento, após a queda, não foi a mágoa da ferida que tinha ficado. Ou os quase invisíveis pontos de sangue na pele. O meu primeiro pensamento foi: "O meu pai tinha razão. Eu consegui.". Paralisei.

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Olhei o fundo da estrada, onde tinha iniciado a minha aventura. E lá estava o meu pai. Ao longe. A sorrir-me. Ele correu até mim. Eu continuava paralisada. Sentada no alcatrão da estrada vazia. A ver o meu pai correr até mim. Eu venci esta batalha sozinha. E eu podia cair, era uma verdade. Mas não devemos ter medo de cair. Não devemos ter medo de estarmos sozinhos. Porque a verdade é que o meu pai me deixou parcialmente sozinha naquele momento, e no fim, esteve lá para me ajudar a levantar. Ele ajudou-me sempre a levantar de todas as quedas. Da queda de bicicleta. Da queda das notas da escola. E, tenho a certeza, que nas restantes quedas o meu pai continuará lá. Eu percebi que os pais querem-nos independentes. Eles ensinam-nos a sermos sós e a voar. E se cairmos eles vão estar lá, tal como quando éramos crianças, para nos levantar.

 

- Estás bem? - Perguntou-me.

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- Sim, pai. Está tudo bem. - Sorri.

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- Vês? Afinal conseguiste! - Abracei-o. E nunca me esqueci.

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És o teimoso mais querido, pai. Obrigada por seres teimoso. Obrigada por me ensinares. Obrigada por não desistires. Estou-te eternamente grata. Agora, sei como andar de bicicleta. Mas, eu sei, se eu cair vais estar lá. Estás sempre comigo, não é?

 

Lara Filipa xX

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