Casal Perfeito
Levanto o olhar ao céu. Sinto que a estrada passa. Ao longe, o sol que ilumina todo o caminho. O imenso trilho que estamos a percorrer é a nossa vida, iluminada pela imensa luz. E, mesmo de noite, podemos ver a estrada e ouvir as rodas sobre ela. A vida passa, como tem passado sempre. O meu olhar inquisidor admira o céu intemporal e desmedido. Ninguém me parece perceber, mas eu explico para mim própria as memórias incontáveis que comigo guardo.
Desço o olhar, do céu para a terra. Olho em frente. O carro segue e a estrada continua, mas não é nisso que me foco. A realidade é uma única e é uma realidade admirável. Nos lugares da retaguarda do veículo estamos eu e o meu irmão. À nossa frente está o espanto. À nossa frente, estão os nossos pais. E posso sentir intensamente a paixão corrente entre ambos. É algo que flui predileto, cheio de confiança e sem medos. Corações trocados, com preciosidade, num eterno amor. O amor dos meus pais é como o céu que observei e descrevi há pouco, é intemporal e desmedido. Eles cuidam do coração um do outro, e é maravilhoso de observar. A imagem que agora vejo, da retaguarda do carro, é indiscritível. A transparência do gesto mais ínfimo é o que torna tudo mais amoroso, mais precioso, porque para demonstrar que se amam usam apenas um único toque. Sem palavras. Nem um milhão de palavras diria tanto como este gesto. O meu pai conduz calmamente, tal qual homem no conforto da sua casa, enquanto a mão dele jaz na perna da minha mãe. A minha mãe olha a estrada sempre atenta a eventuais distrações e a mão dela pousa sobre a do meu pai. Intocáveis e imperturbáveis. É tão raro. O amor é tão raro, hoje em dia.
Um dia, contou-me a minha mãe, eles viram-se. O simples olhar bastou para ela saber que ele seria o homem da sua vida. Quando ela comunicou, em grandes entradas e previsões, que ele seria o rapaz com quem ela casaria, acharam-na louca. Mas foi a louca mais honesta, romântica e bruxa que alguém já viu. A verdade é que se casaram. E, mais que isso, foram felizes. Com os filhos e uma família inteira. Enfrentaram as lutas mais duras, os ventos mais fortes. Mas agora, os vidros do carro estão fechados e a paz reina. Já mereciam a paz. Faz hoje dezanove anos que a previsão da minha querida mãe se realizou. Faz hoje dezanove anos que trocaram as tão desejadas alianças e os votos mais doces, no seio familiar. O compromisso mais terno de todos. Faz hoje dezanove anos que eles se casaram em altar de grandes coroas, porque casamento assim é rei e senhor do mundo. Do mundo deles. Do mundo que eles construíram juntos.
O facto é que já casaram há dezanove anos. E estão neste preciso momento na Ilha da Madeira. A serem felizes juntos. Nem sempre tudo foi fácil. Por isso, agora, dezanove anos depois os meus pais, sempre unidos, tiveram direito à tão merecida lua-de-mel. Na Madeira. E, por terem esperado tanto, desejo-lhes mais destes encontros românticos e surpresas. Os mais duradouros casamentos têm início num olhar, como o deles. E o fim nunca vem, nem mesmo depois do enterro. Almas doces e encantadas com ternura e fraternidade. E, tantos anos depois, ainda noto os sorrisos, o brilho no olhar, o gosto da junção e as palavras de carinho. Grandes casamentos duram sempre, como o deles.
Levanto novamente o olhar ao céu. Está a escurecer. As estrelas a subir. E eu tenho a certeza que este maravilhoso casamento será tão fenomenal como o céu estrelado. Com muito brilho, muita felicidade e muitas conquistas. Por mesmo de noite, o caminho é iluminado. E mesmo dezanove anos depois, a vela da união mantém-se acesa sobre todas as coisas. Parabéns ao casal perfeito!
Amem-se. Amem-se muito e sempre. Amem-se como se amaram nestes dezanove anos, e amem-se outros dezanove anos e outros mais. Amem-se até que não reste ar na Terra. Até que o céu acabe. Amem-se os dois, muito. Façam um favor ao mundo e sejam o exemplo perfeito de amor que têm sido desde sempre. Porque o mundo precisa de casais como vocês: que se amam com um toque. Eternamente.
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Lara Filipa xX