Amor e Vinho
Meu amor,
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Talvez nunca vás perceber as razões pelas quais te escrevo tantas vezes. Talvez nem eu vá um dia entender a minha necessidade de o fazer. É como uma espécie de vício que aprendi a sustentar, nas poucas e insignificantes palavras que te vou escrevendo, de tempos a tempos. Hoje, tenho tempo e vou demorar-me em alguns detalhes de uma história que sempre te quis contar. As pessoas costumam dizer que as palavras não são suficientes e que é preciso agir, mas o que são atos sem palavras que os sustentem? Se beijar-te fosse o suficiente eu nunca te diria o quanto te amo, e sei que é preciso ouvir as palavras de vez em quando.
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Quando era pequena, sentava-me na mesa de jantar a admirar os adultos, enquanto eles se demoravam a levar aquele líquido escuro e cintilante aos lábios e a absorvê-lo com delicadeza. Observava os pormenores e os risos que a bebida e o cansaço acabavam por trazer, com uma pitada de loucura. De qualquer forma, durante muitos anos fiquei apenas a imaginar o sabor do vinho e a tentar que soasse na minha imaginação bom o suficiente para se tornar um vício. E viciei-me na sua imaginação. Quis encontrar nesses pedaços de sonho um gole de vinho e um pouco de deslumbre pela bebida. Quando provei vinho, pela primeira vez, não encontrei algo que soubesse tão bem como sempre imaginei, e não compreendi porque é que as pessoas bebiam vinho, mas essa incompreensão foi o que me viciou. Suguei cada pinga de vinho a tentar que soubesse tão bem como nos meus sonhos e sabendo que isso nunca aconteceria. No entanto, descobri algo na bebida que nunca ninguém me contou. Liberta-nos. Faz-nos sentir leves quando o corpo pesa, e faz-nos rir no meio da miséria, e faz-nos aceitar a vida como sendo a melhor parte do inferno. Entende-o como quiseres, ou melhor, não entendas porque eu também não me esforço para o fazer.
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Permito-me comparar-te ao vinho de vez em quando. Beber é triste, e amar também. É triste porque, de alguma forma, ambos são injustificáveis. Antes de me apaixonar por ti também imaginava um pouco como seria a sensação de amar. Talvez ter imaginado tanto, seja a razão pela qual não reconheci o sentimento de imediato. Não é perfeito como eu sonhei que o amor devia ser, mas essa imperfeição é o que me atrai e me faz continuar a surpreender com a imensidão do meu sentimento por ti. Bebo cada gota de amor como se fosse a última e deixo que a sensação me consuma. Tal como o vinho, viciaste-me. Estou totalmente viciada em ti e sento-me aqui, a escrever-te e a convencer-me a mim própria de que posso realmente ouvir o teu coração a bater, a trezentos e oitenta e cinco quilómetros de distância de mim. Infelizmente, nunca percebi o preciso momento em que comecei a amar-te, e tentar percebê-lo não fez o meu tempo longe de ti passar mais rápido.
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Quando sonhava com o amor, imaginava-o como um estado perfeito dentro da imperfeição que é ser humano. Imaginava-o, tal como imaginei o vinho, com deslumbre e doçura. E tal como o vinho, o amor revelou-se totalmente diferente dos meus sonhos. O amor é a sensação angustiante e imprevisível que te segura. É incerto. Nunca sabes se vais voar mais alto ou cair com mais força. É uma sensação que te pode fazer a pessoa mais feliz do mundo ou a mais triste. Penso que quem escolhe quem te vais tornar é sempre a pessoa por quem te apaixonas. E foste tu que traçaste a minha sentença. Deixei o lápis que escrevia o meu destino nas tuas mãos, e esperei para ver se desenhavas sol ou chuva. Tu desenhaste não o meu destino, mas o nosso. E desenhaste-o cheio de luz e sorrisos e, por vezes, com algum nevoeiro. O nevoeiro é necessário, pois é o que nos faz valorizar a luz. No fim de contas, foste a sentença mais bonita que o meu coração podia ter escolhido, e não te trocaria por nada nem ninguém. És como o vinho. Libertaste-me, fizeste-me sentir leve, rir e aceitar a vida como sendo a melhor parte do inferno. Acho que esta é a história que explica porque gosto de beber vinho. E porque gosto de ti.
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Lara Filipa xX