A Terapia
Terapia é o que eu preciso. Vejo coisas onde ninguém as encontra e a minha cabeça é uma total bomba-relógio. Fecho os olhos. Conto até dez. Mesmo contando devagar, ao fechar os olhos, só vejo mais. Monstros por toda a parte e o meu anjo foi-se. Sorrio para o mundo e para toda a miséria. No fundo, é a miséria que nos faz reconhecer a alegria que é poder abrir os olhos. Abrir os olhos para ver qualquer coisa (seja ela absurda ou não). Provavelmente este texto será tão confuso como eu própria e, ainda assim, continuo a escrever. De qualquer forma, deveria fazer terapia.
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Ando pelas ruas, perdida e sem ti. Olho as pessoas, as coisas e o lugar em si. Nada encaixa. Ao longe, no meio da relva alta está um menino. Parece aloirado e tem uma camisola às riscas. Ele olha fixamente as mãos. Levanta os olhos claros para mim em seguida e, ao perceber que também o vejo, sorri-me genuinamente. A afinidade entre nós é nítida e sinto-me como se o conhecesse desde sempre. Ele está lá, do outro lado do mundo e da estrada, também perdido. Sei que não existe, mas vejo. A miséria é essa mesma. Ver o que não existe. A melhor miséria é o estado de loucura iminente. Fecho os olhos. Conto até dez. É a minha terapia.
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Abro os olhos. Não há nada. O sorriso desaparece. Estou insana. Preciso de terapia. A minha cabeça conta números infinitos e a calculadora mental avaria. A realidade é tão anormal que vai para além do credível. Não posso acalmar-me quando a minha cabeça é uma ininterrupta bomba-relógio. O pânico toma conta de mim. Pensei que sabia o que era o mundo, mas estou sempre a aprender e a ver. Sempre pensei que nunca fosse ver para além do que os olhos alcançam. É como se fizesse parte de mim e fosse impossível de apagar. Estou fora de controlo e só quero parar a emoção.
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A insanidade é inevitável e preciso de terapia. Sou uma tempestade sem reações observáveis em mim. Quem me olha não sabe que sou uma bomba-relógio. Estou destinada a explodir e não restará nada depois do sonho. A terapia não está a curar-me, está a agravar-me. Ninguém parece perceber isso. Não há caminhos, há apenas um coração quebrado e um trilho a seguir. No entanto, todos sabem que eu nunca desisto. Estou a arruinar-me entre mundos de mar, terra, realidade e fantasia. O abstrato é-me mais percetível do que o restante e eu sempre adorei Kandinsky.
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O mundo para. A bomba-relógio acelera para os derradeiros segundos. Tento alcançar o menino. Ele já não está, mas algo me diz que a minha alma correrá sempre à sua procura. Como se eu quisesse recuperar o tempo que não tive. Levanto a minha mão leve a tentar tocar a sua pele pálida, todavia ele não existe. Quando paro, a terapia foi-se. Explodiu a bomba-relógio em mim. O pânico venceu e a cabeça não aguenta. A dor lancinante da realidade atinge-me e a confusão torna-se ainda mais complexa. Acalmo-me. Fecho os olhos e conto até dez. É a minha terapia.
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Fusão de confusões. Mundos entre mundos. Revolta e paz. Estou presa em mim e nas minhas palavras. Palavras em quadros e pinturas em textos. Picasso e Shakespeare e Allan Poe e Van Gogh. E tantos outros. Escritores e pintores e amores. Tudo num só. O ser humano é apenas um ser dividido em tantos outros. Somos todos artistas. A arte vive-se, confunde-se, ama-se. Se o mundo não é para amar, então para que serve o Homem? Será que serve para fazer terapia?
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E tu? Se não existes, para onde foste? Escrever-te é a minha terapia.
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