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A Reminiscência

Ela ia a passear numa extensa rua sem qualquer destino. Com passos incertos pelo caminho fora, à espera que a verdade trespassasse a sua alma e lhe desse a conhecer o sentido da vida desde de que ele se foi. Ela procurara o amor da sua vida durante toda a sua vida, mesmo sem saber que o procurava e mesmo sem saber que já o conhecia. Passeava, ladeando as ruas e olhava para todos os cantos. Esperava que ao trocar olhares com algum homem surgissem aquelas borboletas, como se lia nos livros.

 

Triste e desajustada àquela realidade, a menina ruiva nunca deixou de remexer as estradas cheias de lembranças, em busca de alguém que lhe desse a conhecer o amor que ela tanto esperara reencontrar. Ela queria um amor para a vida inteira, e esqueceu-se de que já tinha um amor para toda a eternidade. Talvez viesse a lembrar-se, um dia, de que não existem contos de fadas, mas sim amores perdidos e esquecidos. Talvez viesse a lembrar-se, um dia, de que não existe amor à primeira vista, mas sim amor à primeira gargalhada. Talvez viesse a lembrar-se, um dia, de que se apaixonou várias vezes pela mesma gargalhada e que de todas as vezes que se apaixonou, ela gargalhou.

 

Foi numa das suas buscas incessantes que ela parou e recordou um homem. Ela lembrava-se dos olhos verdes que lhe deram esperança e das mãos de ouro que a amaram como nunca. Os traços veementes que ela beijou e conheceu e decorou. Ela lembrou-se de um amor, o único que teve. Invocou memórias de um passado distante cheio de agradáveis orgasmos e felizes brincadeiras. Recordou, com pesar, a forma rude com que o mandou embora depois de uma discussão. No entanto, nem se lembrava porque discutiram. E foi assim, por meio de nadas, que se perdeu um grande amor. O único amor que ela teve. Foi então, por entre as recordações, que a menina se lembrou de quem andava a procurar havia tantos anos.

 

Resolveu caminhar sob o calor em busca do amor que não queria perder ou esquecer. Ansiosa pelo corpo que a aqueceu nas noites de inverno, procurou o corpo que queria que a fizesse transpirar nas noites de verão. Correu então, com a sua longa saia a esconder-lhe as pernas que ficaram gastas de tantos anos a caminhar. Procurou-o, fazendo do seu coração um eterno GPS. Colocou no motor de busca “Amor da Minha Vida”, mas o resultado foi nulo. Ela esqueceu-se de se lembrar que era o “Amor da Minha Eternidade” que ela devia ter inserido no GPS, e não o “Amor da Minha Vida”.

 

Desiludida com a sua curta memória, baixou a cabeça. Uma fresca e momentânea brisa devolveu-lhe imagens de um passado cheio de tudo e de nada. Segundos depois, subiu-lhe um aroma às narinas que a fez perceber que mesmo sendo a Dori em pessoa, um grande amor nunca se esquece. Sem ainda o ter visto, sentiu-lhe o cheiro e reconheceu-o de imediato. O coração disparou numa intensa reminiscência e ambos tremeram de saudades. Frente a frente com o amor da sua eternidade, ela disse:

 

- Passaram-se dez anos e ainda usas o mesmo perfume.

​

- Tu lembraste… - O seu tom de voz baixo revelou surpresa.

 

- Lembro-me do nosso amor porque, na realidade, nunca o esqueci. És a única parte da minha vida que nunca esqueço.

 

Ficaram ali. A falar dos aromas um do outro. A falar da paixão entre ambos. Sem nunca esquecer de mencionar a forma como ela se metia em bicos de pés para lhe cheirar melhor o perfume e para lhe sentir melhor os lábios. O sentimento torna-se maduro quando se reconhece a eternidade de um amor pelo seu perfume, por mais curta que seja a memória.

 

Lara Filipa xX

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