A Homenagem
Sinto-me pisada pelo dia, pelo ambiente, pelas emoções. No fundo, sinto-me esmagada por tudo. Estou emocionalmente instável e continuo na luta pelo controlo. Hoje foi mais um dia repleto de ti. Mais um dia cheio de memórias e imaginações. Um dia totalmente inesquecível, mas faço questão de te contar tudo desde o início.
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O dia começou cedo. Estava tudo marcado e planeado, sempre contigo em mente. Ficou então registada, no dia oito de Maio, uma das mais excecionais homenagem a ti que te poderia ter sido feita. A homenagem teve origem no autódromo do Estoril, onde trabalhavas como comissário. Para começar, ao circuito deu-se o nome de Pedro Gonçalves, tal como já te tinha dito. Nunca ninguém vai esquecer-te. Foi tão enternecedora a forma como, ainda três meses depois, todos prestamos este género de brindes em tua memória.
Ao encaminhar-me para o Estoril pude contemplar toda a tua essência em cada canto. Pude imaginar-te a percorrer aquele caminho com gosto e orgulho. Era o que gostavas de fazer. Gostavas de estar perto das motas e interagir com elas. Quando chegámos já muitas pessoas tinham as suas T-Shirts brancas, cada uma com o teu sorriso estampado nelas. O lugar parecia brilhar para ti. Aquele lugar inspira-te e respira-te. A euforia estava patente nos rostos de quem te ama. Digo-te que todos te amam, só para poderes calcular a imensidão do sentimento presente.
O momento foi realmente maravilhoso. Do microfone pude ouvir uma voz dizer as palavras que tanto esperávamos ouvir: “A sua energia e entusiasmo deixaram uma marca, em todos nós, que nunca se apagará. O Pedro deixou-nos no início deste ano, mas a sua memória e a sua alegria estarão sempre presentes nos elementos do Motor Clube do Estoril. Hoje, todos os comissários do Motor Clube do Estoril, e pensamos poder também dizer todos os pilotos e equipas, querem homenagear o Pedro e dizer simplesmente obrigado. (...) Peço a todos os que estão aqui um minuto de silêncio em memória do Pedro.”. E o minuto fez-se.
Quando a prova CNV Superbikes começou já estávamos todos a postos, contigo no pensamento, para assistir ao que foi um dos momentos mais importantes da tua história. Tudo isto e muito mais em tua honra. Tudo para ti, meu querido. A meio da corrida, fechei os olhos. O barulho a entrar-me pelos ouvidos como se fosse música. Então, consegui recordar o teu sorriso, com todos os seus pormenores. Foi magnífico. Eu soube que sorrias quando estavas ali. A tua alma estava tão viva naquele lugar. Agradeci, mentalmente, a todas as pessoas que me proporcionaram aquele momento, mesmo aquelas que eu não conhecia. O meu coração encheu-se de orgulho. Ainda assim, encheu-se de uma igual medida de arrependimento por não ter estado presente quando ainda ali te encontravas. Ao abrir os olhos, notei como era lindo. Tu estavas ali e tudo é lindo quando estás presente. Não em corpo, mas sim em espírito. A paisagem gritava que sorríssemos todos. Por ti, para ti. O ambiente de paz, de carinho. O rugido das motas a ecoar. Concebi ali a tua imagem e idealizei um Pedro muito feliz, a segurar a bandeira. Fantasiei contigo, meu primo, a fazer o que nasceste para fazer: montar uma mota.
Passados uns minutos, olhei as pessoas que te amavam, tal como eu. Eram tantas pessoas. Continuam a ser tantas pessoas. Pude ver na Carina a camisola com as rubricas de todos os teus amigos e companheiros do autódromo. Tanto carinho. Quero esta união para sempre. A tua partida uniu-nos ainda mais do que antes. O vento frio arrepiou-me o corpo trémulo. A tua mãe tinha a cara escondida pelos cabelos finos e eu não conseguia ver a sua expressão mas adivinhei-lhe o aperto no peito e a saudade. Agarrei-me ao teu pai, admirando a gente presente. Abracei-o ainda com mais força e disse-lhe que tinha sido uma homenagem linda. Os seus olhos brilhantes disseram tudo o que o coração de cada uma daquelas pessoas sentia. "O meu filho faz-me tanta falta." Sussurrou-me. Ele falou com a boca, com os olhos e com o coração. Eu fiz silêncio, pois percebi que eram os últimos momentos da corrida e ambos precisávamos de apreciar o som naquele momento.
O sol foi-se embora por instantes. Choveu o que havia para chover. A corrida acabou. Os vencedores mostraram-se. As pessoas partiram. Eu quis ficar ali, eternamente admirando o lugar onde passaste grande parte do teu tempo. As altas montanhas a rodear a pista. As pessoas a abrigarem-se dos pingos de chuva. Queria chorar, mas sorri. Sorri aos céus, tal como te prometi. Tu mereces todos os sorrisos, meu querido. Eu farei questão de te sorrir sempre, quanto mais não seja quando te sentir comigo. Como naquele momento. Como neste momento.
És tão amado. Sinto uma enorme bola na garganta. Desejo que estas homenagens se façam todos os dias. Desejo para sempre este aroma, esta paz, esta segurança e conforto. Sinto uma resposta em forma de tempestade, como se o ar violento de ti se tratasse e a chuva fosse feita das partidas que nos querias pregar. A minha alma grita-te que voltes, inutilmente. O meu coração ama-te, como sempre. E o meu cérebro suplica-te que sejas. Simplesmente sendo. Suplico-te que sejas tudo. Que sejas tu. Que nos guardes e salves e ames. Agora e sempre, tanto como antes. Ou ainda mais.
Até sempre, primo. Para Sempre, Pedro.